quinta-feira, 1 de abril de 2010

DISCURSO DE DESPEDIDA DO PRÉ-CANDIDATO A PRESIDENTE DA REPÚPLICA JOSÉ SERRA


Nesta prestação de contas, não pretendo fazer um balanço abrangente e
detalhado, não só porque seria demasiado longo, mas também porque
nosso Governo não terminou.

Temos ainda nove meses com muitas ações, inaugurações e cumprimento de metas firmadas com a população de São Paulo.

Vamos ter um novo governador que me acompanhou de perto nestes anos. Conhece tudo do governo, das prioridades de São Paulo, da vida. Um homem íntegro, um engenheiro, um democrata, um patriota, um homem que tem história e tem preparo: Alberto Goldman.

Vou aqui falar dos valores, dos princípios, dos critérios que nos orientaram estes 39 meses e que continuarão a ser o norte dos próximos nove. Vou mencionar várias de nossas ações como exemplos e porque me orgulho do que fizemos, do que estamos fazendo e do que ainda faremos.

Os governos, como as pessoas, têm de ter caráter. Caráter é índole. Ele se expressa na maneira de ser e de agir. E este é um governo de caráter, que manteve a sua coerência: nem cedeu à demagogia, às soluçõesfáceis e erradas para problemas difíceis, nem se deixou pautar por particularismos e mesquinharias. Venho de longe. Se tive, ao longo da vida, uma obsessão, é certamente a de servir aos
interesses gerais de São Paulo e do Brasil.

Os governos, como as pessoas, têm de ter honra. E assim falo não apenas porque aqui não se cultivam escândalos, malfeitos, roubalheira. Mas também porque nunca incentivamos o silêncio da cumplicidade e daconivência com o malfeito.

Fizemos um governo honrado também porque não fraudamos a vontade popular. Honramos os votos dos paulistas, seu espírito empreendedor e amante da justiça, sua disposição de enfrentar desafios e vencê-los
com trabalho sério e conseqüente.

Os governos, como as pessoas, têm de ter sentido de história.

Repudiamos o espetacularização, a busca da notícia fácil, o protagonismo sem substância que alimenta mitologias. Este governo sabe que não há nenhuma contradição entre minorar as dificuldades dos que
mais sofrem e planejar o futuro.

Tantos me aconselharam, nos muitosanos de vida pública, a ser mais atirado, a buscar mais os holofotes,er notícia. Dizem alguns que o estilo é o homem. O meu estilo, se me permitem, é este: procuro ser sério, mas não sisudo; realista, mas não pessimista; calmo, mas não omisso; otimista, mas não leviano;
monitor, mas não centralizador.

Os governos, como as pessoas, têm de ter personalidade, brio profissional. Sempre me empenhei em formar boas equipes de trabalho, desde quando fui líder estudantil, pesquisador ou professor universitário, passando pela secretaria de Economia e Planejamento do governador Montoro, pelo Congresso Nacional, pelos ministérios do Planejamento e da Saúde, pela prefeitura da Capital e, agora, pelo governo do Estado.

Além das qualidades de cada um dos seus integrantes, a boa equipe necessita de um norte claro de quem está no comando, do acompanhamento próximo das formulações e da execução das ações, da liberdade e do incentivo para inovar, do apoio nos momentos mais difíceis e do desestímulo aos possíveis e previsíveis conflitos entre esses integrantes. Sempre tive aversão àquelas teses do dividir para governar, de convidar fulano para contrapor-se a sicrano. Perde-se e já se perdeu muito na vida pública brasileira em razão
dessa verdadeira anomalia que permeia a política e administração em nosso país.

Aqui, na nossa equipe de governo, sem exceção, pouco importa o papel de cada um, repudiamos o conformismo imobilista. Procuramos sempre alargar os limites daquilo que é percebido como possível.

Brio profissional significa preparo, coragem, inconformismo, inovação, luta permanente para construir um presente e um futuro melhor.

Os governos, como as pessoas, têm de ter alma, aquela força imaterial que os impulsiona e lhes dá forma. Nossa alma, a alma deste Governo, que inspira todas as nossas ações, é essa vontade de melhorar a vida das pessoas que querem uma chance, que dependem de um trabalho honesto para viver, que estão desamparadas. É essa vontade de criar condições para que todos possam se realizar na plenitude de suas possibilidades, que tenham a oportunidade de estudar, de ter acesso à cultura, de trabalhar, com saúde física e espiritual.

Os governos, como as pessoas, têm de ter sensibilidade para agir e compensar as desigualdades. Este é um Governo Popular, que se orgulha de ampliar o bem-estar e a oportunidade dos mais pobres com seus programas sociais como o Viva Leite, o Renda Cidadã, o Quero-Vida dos idosos, o Ação Jovem, o Bom Prato, as ETECs, o Programa de Qualificação do trabalhador, o Emprega SP, o piso salarial, que é bem
maior do que o salário mínimo nacional. Na crise, agimos com rapidez e geramos apenas em São Paulo quase um milhão de empregos diretos e indiretos com nossos investimentos.

Este Governo Popular se orgulha de redistribuir renda também por intermédio da ampliação qualitativa e quantitativa do atendimento à Saúde, da Educação, do Transporte Coletivo, das novas moradias, da
Cultura, do Esporte e do meio ambiente mais saudável.

Os governos, como as pessoas, têm de ser solidários e prestar atenção às grandes questões que dizem respeito ao futuro do país e do mundo, mas também às medidas que respondem aos problemas aparentemente pequenos das pessoas — para elas, eles são sempre muito grandes.

Fico emocionado quando lembro que criamos as Vilas Dignidade, moradias decentes para idosos abandonados, ou as plataformas nas praias e cadeiras especiais que permitem às pessoas com deficiência tomar um banho de mar... Alguns dirão que se trata de coisa pequena. Pois, para elas, é imensa! Quem dera a vida fosse, para todos nós, o primeiro banho de mar! Governos, como as pessoas, têm de ter compromisso com a responsabilidade e com a felicidade.

Sabem qual foi um dos melhores momentos do nosso governo? Ontem, na inauguração do Rodoanel. Não foi apenas nem principalmente devido à obra, não — que, aliás, expressa o que nossa engenharia tem de melhor.

Quando visitei o canteiro, tempos atrás, sugeri que fosse feito e exibido um painel, ao lado do memorial que ia ser erguido, com o nome dos milhares de trabalhadores que fizeram a obra. Quando fui lá ontem, eu nem sabia que ele já tinha ficado pronto. A emoção me dominou quando, no fim da solenidade da inauguração, um operário mostrou-me, orgulhoso, onde estava seu nome... Lembrei -me de uma poesia do Vinicius, que eu declamava quando era Jogral do Grêmio Politécnico. Pareceu-me que, até então, até aquele momento...

... ele desconhecia

Esse fato extraordinário:

Que o operário faz a coisa

E a coisa faz o operário.

Casa, cidade, nação!

Tudo, tudo o que existia

Era ele quem o fazia

Ele, um humilde operário

Um operário que sabia

Exercer a profissão.

Eu acredito em planejamento. Organizamos as finanças e praticamos uma rigorosa austeridade fiscal. Herdamos e renovamos os padrões do Mário Covas e do Geraldo Alckmin. Austeridade para nós não é mesquinharia econômica, mas cortar desperdícios, reduzir custos, precisamente para fazer mais com o que se dispõe. Com uma área econômica dedicada e criativa ampliamos os recursos sem aumentar impostos – pelo contrário, reduzimos a carga tributária individual e desoneramos setores-chave de nossa economia, como a indústria têxtil, nesta mesma semana.

Por isso, em valores nominais, triplicamos os investimentos do governo de São Paulo nestes quatro anos. Fizemos investimento, não gastança. O maior investimento da história de São Paulo: 64 bilhões d e reais até o final deste ano.

Há uma constatação terrível no Brasil segundo a qual os governos investem pouco em saneamento porque se trata de “dinheiro enterrado”. Pois este é um governo que “enterrará” até o final deste ano perto de
7 bilhões de reais em saneamento. Ao fazê-lo, semeia saúde. Renova seu compromisso com o avanço real do estado e do País, não com a sociedade-espetáculo.

A prioridade à Saúde se traduziu em 10 novos hospitais na rede pública; novas fábricas de remédio e de vacina; ampliação do programa de remédio de graça, o Dose Certa; ampliação da distribuição de medicamentos de alto custo; a rede de Ambulatórios Médicos de Especialidades. Muita coisa!

Pensamos e agimos sempre voltados Saúde, ao emprego, à Educação, à Segurança. Fizemos grandeesforço na ampliação da infra-estrutura para o desenvolvimento — rodoanel, estradas, vicinais, metrô, trens — porque isso é essencial à expansão da produção, do emprego e do conforto dos que dependem do transporte coletivo. Não só hoje, como para futuro, pelo que traz de condição para o Estado e o Brasil progredirem.

Eu acredito no mérito, na gestão por resultados. Na Educação, pela primeira vez, fixamos metas de avanço por escola, os professores e servidores ganharão mais e progredirão na carreira segundo o seu próprio esforço e o seu desempenho. Demos prioridade à melhoria da qualidade do Ensino, que exige reforçar o aprendizado na sala de aula.

E prioridade ao Ensino Técnico, mais do que dobrando as vagas nas ETECs e as unidades das Fatecs, e implantando novos cursos, adequados às necessidades do mercado de trabalho. Não é à toa que se diz em São Paulo que “esse é o ensino que vira emprego”.

Fizemos isso porque acreditamos em prioridades. Washington Luis, quando governador de São Paulo, disse que governar era abrir estradas. Para nós, hoje, o lema é outro: governar é saber quais estradas abrir
— as de asfalto, terra ou cimento — e, metaforicamente, quais estradas abrir na Saúde, na Educação ou na Segurança. Ou no saneamento.

Eu acredito em inovação. Tem sido imensa nossa ênfase em pesquisas, que servem não apenas ao Estado, mas ao Brasil: na Saúde, na agropecuária e no IPT, que recebe os maiores investimentos de sua história, com efeitos que se estenderão por décadas, na nanotecnologia, materiais leves e bioenergia.

Praticamos intensamente inovações, que vão da Nota Fiscal Paulista aos avanços do Governo eletrônico; da ambiciosa Lei de Mudanças Climáticas paulista, a mais avançada do Hemisfério Sul, ao moderno Instituto do Câncer e à solução criativa e inovadora dos Ambulatórios Médicos de Especialidades; do ensino técnico feito a partir de salas de aula ociosas em escolas estaduais e municipais ao novo Centro de Reabilitação Lucy Montoro; da Univesp, a Universidade Virtual, aos dois professores na sala de aula da primeira série. Do Acessa Escola ao Protocolo Agroambiental e à linha de financiamento à economia verde; da expansão da Defesa do Consumidor ao novo e bem-sucedido modelo da Fundação Casa; da Virada Cultural aos Museus do Futebol, ao Catavento e ao Museu da História de São Paulo. Do programa d e recuperação da Serra do Mar, em Cubatão, às novas escolas de Dança e Teatro e a essa extraordinária Biblioteca São Paulo, lá onde era o Carandiru. Das novas modalidades de casas da CDHU às câmeras de monitoramento da Segurança e à proibição do fumo em ambientes públicos fechados. Do novo modelo de diagnóstico por imagens à remodelação de toda a rede de estradas vicinais no Estado.

Governos têm de fazer isso mesmo: por o Estado para funcionar. Trabalhamos pesado nisso. Com a ajuda dos servidores, ganhamos produtividade em todas as áreas. Na educação, estão aí os resultados do IDESP. Na Saúde, pesquisa recente nos hospitais do Estado para verificar o nível de satisfação de quem era atendido mostrou resultados muito positivos. Nos Transportes, pesquisa da CNT mostrou que as dez melhores estradas do Brasil estão em São Paulo; que 75 por cento das estradas paulistas são consideradas ótimas ou boas pelos usuários. Mas nada aconteceu por acaso: é fruto do planejamento do
Governo e do esforço e competência dos seus funcionários. Funcionários que são servidores públicos de verdade e que dão o melhor de si quando recebem incentivo e exemplo dos dirigentes governamentais.

Eu acredito que a essência do Governo é garantir a vida, os bens e a liberdade, que constituem os direitos fundamentais dos cidadãos nos marcos do Estado de Direito. O direito à vida envolve, entre outras
dimensões, a preservação e a promoção da Segurança. Nesta dimensão, quero reafirmar que São Paulo inverteu, desde fins da década passada, a tendência nacional de aumento da criminalidade. Em dez anos, a
redução da taxa de homicídios foi de 63 por cento. Nos últimos três, de 27 por cento. O esforço financeiro tem sido enorme: o orçamento da secretaria da Segurança aumentou mais de 40 por cento entre 2006 e
2010. Aceleramos a marcha do reaparelhamento tecnológico, intelectual e moral das polícias. Fortalecemos sua reputação moral e profissional mediante o reconhecimento do valor precioso de quem se dedica a prop
orcionar segurança ao povo, correndo risco de vida.

Quando é o caso, promovemos sistemática investigação, apuração e, se necessário,
afastamento dos maus elementos. Envolvemos a ação policial na recuperação de vizinhanças com forte presença do crime organizado: a Virada Social, em parceria com entidades não governamentais tão
respeitadas quanto o Sou da Paz. Contivemos os riscos da condução de veículos sob o efeito de bebidas alcoólicas.

Eu confio na democracia. Aqui a nossa relação com o Legislativo é transparente e em favor da população. No lugar de nomeações e cabides de emprego, a co-responsabilidade pelo investimento em todas as
cidades do estado. No nosso governo, deputados não nomeiam diretores de empresa ou secretários. No nosso governo, deputados ajudaram a estabelecer as prioridades para o desenvolvimento do estado e o
bem-estar das pessoas.

Ficará registrada , na historia da Assembléia , com louvor, a produção legislativa desse período por seu vulto e sua relevância na vida dos paulistas. As principais iniciativas do Governo foram, além de
acolhidas , aprimoradas mediante emendas e sugestões dos deputados.

Me orgulho também da relação de respeito, cooperação e diálogo com o Tribunal de Justiça e com o Ministério Público de São Paulo, inclusive, devo dizer, com a substancial e possível expansão de obras
e recursos orçamentários, visando a modernização de suas práticas e serviços, tão essenciais à vida das pessoas e à nossa democracia.

Obrigado, São Paulo, pela chance que me foi dada de governar este grande estado; obrigado aos brasileiros que aqui residem por terem me dado a chance de tornar melhor a vida de milhões de pessoas e de ter
me tornado, por isso, um homem melhor.

Aprendi muito nestes 39 meses. Aliás, a minha linha do tempo, desde criança até hoje, sempre foi
preenchida por aprendizado. Não canso nunca de aprender. Aprendi muito com esta minha equipe do Governo do Estado. Sempre apreciei da humildade intelectual sugerida por Guimarães Rosa: “Mestre não é quem ensina, mas quem, de repente, aprende”.

Exerci o poder neste estado sem discriminar ninguém. Os prefeitos sabem que sempre encontraram neste governador um interlocutor que falou em defesa de políticas de estado, independentemente da coloração
partidária. No meu governo, nunca se olhou a cor da camisa partidária de prefeitos ou parlamentares.

Nossos opositores sabem disso, nossos administradores municipais não deixam de testemunhar nossa atitude voltada a servir ao interesse público, não à máquinas partidárias.
Governamos para o povo, não para o partido.

Na minha vida pública, já fui governo e já fui oposição. De um lado ou de outro, nunca me dei à frivolidade das bravatas, nunca investi no “quanto pior, melhor”, nunca exerci a política do ódio. Sempre desejei
o êxito administrativo de adversários quando no poder, pois isso significa querer o bem dos cidadãos, dos indivíduos. Uma postura que nunca me impediu de apresentar as sugestões ou divergências, mas o
fiz, e estimulei que meus aliados o fizessem, nos fóruns adequados ao embate político e ao exercício democrático das diferenças.

Estes mesmos adversários, além dos aliados, podem atestar: jamais incentivei o confronto gratuito, jamais mobilizei as falanges do ódio, jamais dei meu apoio a uma proposta ou a uma ação política porque elas
seriam potencialmente prejudiciais a meus oponentes. Não sou assim, não ajo assim, não entendo assim o debate político. E não vou mudar, ainda que venha a ser alvo de falanges.

Ao eventual ódio, reajo com a serenidade de quem tem o Brasil no coração. E que ninguém confunda esse amor com fraqueza. Ao contrário, ele é a base da minha firmeza. Ele é a base da minha luta. Ele orienta
as minhas convicções.

Outro dia me perguntaram se estaria triste de deixar este Governo e esta equipe. Como poderia não estar? Mas, considerando o que termos pela frente, também estou alegre. Quando olho para trás e vejo o que
foi minha vida até agora, repleta de incerteza e de desafios, meu espírito se fortalece. Minha infância e adolescência num bairro operário, presidente da UEE e da UNE aos 20 e 21 anos. Exílio aos 22
anos de idade – voltei ao Brasil com 36 anos...O Cebrap, a Unicamp, o governo Montoro, aqui neste Palácio, quando reconstruímos o Estado e demos a grande luta das diretas. O Plano de Governo de Tancredo. A
Constituinte, a Câmara Federal. O Plano Real. O Senado, o ministério do Planejamento, o ministério da Saúde, a prefeitura da Capital.

A honra de sido o primeiro governador eleito no primeiro turno. Olhando para trás e vejo o tudo o que participei, tudo o que fizemos. Isso me dá muita força para a etapa seguinte, que nos espera.

Obrigado, São Paulo, pela confiança!

Até 1932, nosso Estado, em seu brasão, ostentava o Non Ducor, Duco.

“Não sou conduzido, conduzo”. Desde então, a divisa passou a ser outra: Pro Brasília Fiant Eximia: “Pelo Brasil, Façam-se Grandes Coisas.” É o papel deste Estado construído por brasileiros de todas as partes

Essa é a nossa missão! Vamos juntos! O Brasil pode mais!